Senhor: não peço mais que silêncio, o silêncio das noites de planície como enovoadas águas, o silêncio dos montes quando a tarde acabou e as pedras se afiam na friagem que é azul-celeste, o silêncio do sol encarquilhando as folhas, e o do vento na areia depois de ter passado, o silêncio das ondas ao longe espumejando tranquilas, o silêncio das mãos e o dos olhos, e o das aves negras que pairam nas alturas de um céu silencioso e límpido. Não peçomais que silêncio. O silêncio das ideias que deslizam no tecto escorregadio da memória silente. E o silêncio dos sonhos coloridos, e o dos outrosa preto e branco imagens desejadas que não pensei que desejava e esqueço ao querer lembrá-las. E o silêncio dos sexos que se possuem sem uma palavra. E o do amor também, tão silencioso esse, que não sei quem amo. Não peço mais. Afastade mim o estrondo: não o das cidades, ou dos homens, das águas, do que estalana memória ou penumbra das salas desertas. Afasta de mim o estrondo com que a vida se acabará contigo, num rasgar de súbito em que ficarei inerte e silencioso. O estrondo em que não ouvirei mais nada. O estrondo em que não mexerei um dedo. O estrondo em que serei desfeito. O estrondo em que de olhos abertos alguém mos fechará. Senhor: não peço mais do que o silêncio do mundo, o silêncio dos astros, o silêncio das coisas que outros homens fizeram, e o das coisas que eu próprio fiz. E o teu silêncio de senhor que foi. Não peço mais. Não é nada o que peço. Dá-meo silêncio. Dá-me o que não fui: silêncio (porque calei tanto): o que não sou (pois que calo tanto): o que hei-de ser (já que falar não adianta): Silêncio. Senhor: não peço mais. (Jorge de Sena, Assis, 23/06/61 Antologia Poética, Edições Asa)
"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas.
As primeiras, ele chupou displicente,
mas percebendo que faltam poucas,
rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo.
Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos.
Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos,
normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos.
Não gosto de assembléias ordinárias em que as organizações procuram se proteger
e perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”,
onde “tiramos fatos à limpo”.
Detesto fazer acareação de desafetos que
brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral.
Já não tenho tempo para debater vírgulas,
detalhes gramaticais sutis,
ou sobre as diferentes traduções da Bíblia.
Não quero ficar explicando porque gosto da
Nova Versão Internacional das Escrituras,
só porque há um grupo que a considera herética.
Minha resposta será curta e delicada:
- Gosto, e ponto final!
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou:
“As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.
Já não tenho tempo para ficar dando explicação
aos medianos se estou ou não perdendo a fé,
porque admiro a poesia do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes;
a voz da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis,
Thomas Mann, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta
com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”; não foge
de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja
andar humildemente com Deus. Caminhar perto dessas pessoas nunca
será perda de tempo." Texto de Ricardo Gondim