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terça-feira, 23 de junho de 2009 Hino à Alegria
. Tenho-a visto passar, cantando, à minha porta, E às vezes, bruscamente, invadir o meu lar, Sentar-se à minha mesa, e a sorrir, meia morta, Deitar-se no meu leito e o meu sono embalar. . Tumultuosa, nos seus caprichos desenvoltos, Quase meiga, apesar do seu riso constante, De olhos a arder, lábios em flor, cabelos soltos, A um tempo é cortesã, deusa ingénua ou bacante... . Quando ela passa, a luz dos seus olhos deslumbra; Tem como o Sol de Inverno um brilho encantador; Mas o brilho é fugaz, — cintila na penumbra, Sem que dele irradie um facho criador. . Quando menos se espera, irrompe de improviso; Mas foge-nos também com uma presteza igual; E dela apenas fica um pálido sorriso Traduzindo o desdém duma ilusão banal. . Onda mansa que só à superfície corre, Toda a alegria é vã; só a Dor é fecunda! A Dor é a Inspiração, louro que nunca morre, Se em nós crava a raiz exaustiva e profunda! . No entanto, eu te saúdo e louvo, hora dourada, Em que a Alegria vem extinguir, de surpresa, Como chuva a cair numa planta abrasada, A fornalha em que a Dor se transmuta em Beleza! . Pensar, é certo, eleva o espírito mais alto; Sofrer torna melhor o coração; depura Como um crisol: a chispa irrompe do basalto, Sai o oiro em fusão da escória mais impura. . A Alegria é falaz; só quem sofre não erra, Se a Dor o eleva a Deus, na palavra que O louve; A Alma, na oração, desprende-se da terra; Jamais o homem é vão diante de Deus que o ouve! . E contudo, — ilusão!—basta que ela sorria, Basta vê-la de longe, um momento, a acenar, Vamos logo em tropel, no capricho do dia, Como ébrios, evoé! atrás dela a cantar! . Mas se ela, de repente, ao nosso olhar se furta, Todo o seu brilho é pó que anda no sol disperso; A Alegria perfeita é uma aurora tão curta, Que mal chega a doirar as cortinas do berço. . Às vezes, essa luz, de tão frágil encanto, Vem ainda banhar certas horas da Vida, Como um íris de paz numa névoa de pranto, Crepitação, fulgor duma estrela perdida. . Então, no resplendor dessa aurora bendita, Toma corpo a ilusão, e sem ânsias, sem penas, O espírito remoça, o coração palpita Seja a nossa alma embora uma saudade apenas! . Mas efémera ou vã, a Alegria... que importa? Deusa ingénua ou bacante, o seu riso clemente, Quando, mesmo de longe, ecoa à nossa porta, Deixa em louco alvoroço o coração da gente! . Momentânea ou falaz, é sempre um dom divino, Sol que um instante vem a nossa alma aquecer... Pudesse eu celebrar teu louvor no meu Hino! Momentâneo, falaz encanto de viver! . O teu sorriso enxuga o pranto que choramos, E eu não sei traduzir a ventura que exprimes! Nesta sentimental língua que nós falamos, Só a Dor e a Paixão têm acordes sublimes! António Feijó, in 'Sol de Inverno' Rascunhado por Rascunhos em Vida às 20:50 0 Comentários
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Navego em um mar de emoções... e vou deixando um rascunho enquanto viva... Passar a limpo? Nem pensar... Agradeço tua visita. Paz profunda!
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Tempo que Foge "Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas.
As primeiras, ele chupou displicente,
mas percebendo que faltam poucas,
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