Resisti tanto tempo ao teu chamado Sem saber de onde vinha a tua voz! Olhei o céu azul - era todo estrelado, Tudo em volta de mim parecia florir... A terra era mais verde em seus encantos! E eu deixei tudo para te seguir, Sem escutar as vozes de outros cantos.
E me vesti da alvura da pureza E a boca virgem perfumei cantando, no hálito da flor de primavera; Os lírios me emprestaram a singeleza E eu me pus a sonhar, à tua espera...
Despedi os vassalos de rainha, Tirei as jóias, me despi de arminhos... Desapartei nos braços as pulseiras, Para jogá-los livres, nos caminhos.
Deixei cair os pentes dos cabelos, Para enfeitar de aljôfares os ninhos. Dancei todos os ritmos das horas. Do pólen das promessas e dos sonhos, Enchi meu coração de doces vinhos, No vale cor de rosa das auroras.
Na fonte de água pura não bolida, Purifiquei de aromas os meus pés... Trepei pelos azuis da Primavera Para dizer aos pássaros, quem és. Cantava pelos ramos a minha alma E eu fiquei, no rebordo de uma nuvem, Outra vez, meu amor, à tua espera.
Até que vens, amado meu, na sombra Que vagarosa, o teu perfil desenha... Vens, no cheiro das plantas mais cheirosas, Na insensação do vale, ardendo à lenha.
De longe, ainda, em meu olhar te enlaço, No som das moitas que nas águas soa, Na voz das aves que eu reter quisera... Até que vás, na brisa que se escoa, No mistério das cousas invisíveis... E eu me fico, outra vez, tateando no espaço, Escorado no sonho que prolongas, Outra vez, paciente, à tua espera...
"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas.
As primeiras, ele chupou displicente,
mas percebendo que faltam poucas,
rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo.
Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos.
Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos,
normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos.
Não gosto de assembléias ordinárias em que as organizações procuram se proteger
e perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”,
onde “tiramos fatos à limpo”.
Detesto fazer acareação de desafetos que
brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral.
Já não tenho tempo para debater vírgulas,
detalhes gramaticais sutis,
ou sobre as diferentes traduções da Bíblia.
Não quero ficar explicando porque gosto da
Nova Versão Internacional das Escrituras,
só porque há um grupo que a considera herética.
Minha resposta será curta e delicada:
- Gosto, e ponto final!
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou:
“As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.
Já não tenho tempo para ficar dando explicação
aos medianos se estou ou não perdendo a fé,
porque admiro a poesia do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes;
a voz da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis,
Thomas Mann, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta
com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”; não foge
de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja
andar humildemente com Deus. Caminhar perto dessas pessoas nunca
será perda de tempo." Texto de Ricardo Gondim